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Escola do Turismo de Portugal //
Portimão
Fernando Pessoa, tal como outros
génios, bebia. E muito! Um dia, fizeram uma observação ao próprio: “Oh,
Fernando! O senhor bebe como uma esponja!” E o poeta terá respondido, em tom jocoso,
o seguinte: “Como uma esponja, não. Como uma loja de esponjas e com armazém
anexo!”
Esta fotografia foi captada na
Casa de Vinhos Abel Pereira da Fonseca (Fig.1), em Lisboa. Era neste local que,
durante as suas deambulações pela cidade que o acolheu após o regresso
definitivo da África do Sul, parava um pouco e cumpria um ritual: bebia um
licor, normalmente uma ginjinha.
Quando se apercebeu que havia
sido tomado nesta situação não propriamente prestigiante, decidiu tirar
proveito da mesma para reatar a relação amorosa com a sua Ofélia (Fig.2). Assim, não
resistiu e, brincando com as palavras, inspirou-se e criou um divertido
trocadilho a partir da versão original “flagrante delito”, transformando-a “em
flagrante deLitro”. A primeira corresponde a um termo jurídico, cujo
significado é “facto punível que é descoberto no próprio momento em que é
cometido”. O nome “delito” surge deturpado como “delitro”, termo, aliás, que
não existe, a não ser como um jogo de caráter verbal que permite incluir a
palavra “litro”, ativando a associação ao seu campo lexical, isto é, às
palavras que estão intimamente relacionadas com o consumo de bebidas
alcoólicas: aguardente, vinho, licor ou ginjinha.
Mais tarde, o poeta habituou-se a
parar n’A Licorista, para beber a sua ginjinha. Foi neste bar que
foi tirada uma das poucas fotografias existentes do poeta. O retrato do
escritor a beber foi recriado num painel de azulejos (Fig.3), que pode ser admirado neste local,
que atualmente é um restaurante, situado na Rua dos Sapateiros, nº 218, em
Lisboa.
Desde o século XIII que se
vendiam ginjas mergulhadas em aguardente, uma vez que este tipo de cerejas era
tão amargo, que se tornava impossível consumi-las de outra forma.
Mais tarde, no século XIX, mais precisamente
em 1840, um Espanhol, de sobrenome Espinheira, a conselho de um frade da Igreja
de Santo António, juntou açúcar, água e paus de canela.
O objetivo era colocar a macerar ginjinhas em aguardente, com açúcar, água e canela.
O sucesso foi tanto, que
Espinheira abriu um estabelecimento no Largo de São Domingos, em Lisboa.
Inicialmente, apenas a classe burguesa frequentava este estabelecimento, devido
aos elevados preços praticados, mas, com o passar do tempo, a bebida começou a
ser vendida nas tabernas, a um custo acessível a todas as classes.
Dizem os antigos que, na altura,
era oferecido um gole desta bebida às crianças para curar doenças infantis.
Para além da ginjinha de Lisboa,
podemos encontrar diversas variedades deste licor, produzido em regiões
diferentes, tais como Alcobaça, Bombarral, Caldas da Rainha e Óbidos (região
onde os Romanos plantaram ginjais, aquando da sua ocupação na Península Ibérica).
Recentemente, a Comissão Europeia
reconheceu a denominação “Ginja de Óbidos e Alcobaça”, como Indicação
Geográfica Protegida (IGP). Designa-se por Ginja de Óbidos e Alcobaça os frutos
da cultivar “Galega”, pertencente à família das Rosáceas que, obtidos na
área geográfica, se caracterizam essencialmente pela cor vermelha, calibre
pequeno, forma ligeiramente achatada e elevada percentagem de açúcar e acidez,
que lhe confere um sabor agridoce equilibrado e de aroma intenso.
A ginjinha produzida na região de
Lisboa é diferente das demais, pois é-lhe adicionado caramelo, atribuindo-lhe
uma tonalidade mais escura. Nesta cidade é tradicional interrogar o cliente, se
deseja a bebida “com elas” ou “sem elas” (as ginjas)!
Deve-se agitar a garrafa antes do
seu consumo e ser servida à temperatura ambiente.
Nos dias que correm, é comum
degustar a ginjinha em copo de chocolate, tratando-se de uma inovação dos bartenders,
fazendo assim o casamento harmonioso entre o chocolate e a ginja. Porém, na
época de Fernando Pessoa, a bebida era servida nas taças tradicionais das
tabernas.
Homenageando este cânone da
literatura portuguesa, apresentamos uma sugestão do cocktail “Ofélia”,
cujo ingrediente principal é a ginjinha (Fig.4).
Cocktail Ofélia
Em homenagem ao
romance de Fernando Pessoa, criámos este cocktail com o nome de sua
amada.
Começa-se por
adicionar 1 clara de ovo no shaker e faz-se a técnica de dry shake até obter uma espuma.
De seguida, coloca-se
no shaker 6 folhas de manjericão, 2 cls de xarope de açúcar e macera-se.
Por fim, adiciona-se
4 cls de Ginjinha e 2 cls de sumo de lima natural.
Bate-se o shaker com gelo e verte-se para o copo (poderá ser um copo a licor ou taça a cocktail).
Faz-se um top up com ginger beer e decora-se com canela em pó,
um pau de canela e um raminho de
manjericão.
Sabia que…
· Em 2018, foi lançada no FOLIO (Festival Literário
Internacional de Óbidos), a Ginja mais cara do mundo?! Vale 4000€ e é uma
garrafa de Ginja Com Elas de cristal ornamentada com prata e 10 Libras
de Ouro.
· Uma das tradições típicas nos passeios pela
baixa lisboeta, e imortalizada num Fado de Amália, é beber uma ginjinha.
· Para fazer o seu licor de Ginjinha caseiro,
necessita apenas de um quilo de ginjas, um litro de aguardente e setecentos e
cinquenta gramas de açúcar: deverá lavar as ginjas, retirar-lhes os pés e
colocá-las num frasco (preferencialmente de vidro). De seguida, misture a
aguardente e o açúcar sobre a fruta. Por fim, tape bem e conserve num local
escuro durante três a seis meses no mínimo. Vá agitando de vez em quando o
licor, para que a ginja liberte mais o seu sabor sobre a aguardente.
· Um empresário de renome de Alcobaça utilizou o
álcool destinado à produção de Ginjinha, para a produção de álcool gel e
distribuiu gratuitamente por agentes da proteção civil e profissionais da área
social. Uma ajuda preciosa em tempos de Pandemia, devido ao surto da COVID 19.
Artigo elaborado por:
Magda Martins, Assessora de Formação e Professora de Português
Rita Raimundo, Formadora de Restauração e Bebidas, Consultora e Promotora de Eventos.