Transformando as narrativas habituais em torno do turismo acessível: da sensibilização à ação
A associação em torno da deficiência e da vulnerabilidade como sendo inerente à condição humana e, paradoxalmente, a escassez de facilitadores para mitigar os feitos das barreiras que obstaculizam a qualidade de vida dos indivíduos diagnosticados com deficiência é exposta como um problema a ser resolvido. No entanto, o “problema” é frequentemente associado a estereotipias relacionadas com a falta de conhecimento sobre o conceito, pois a analogia habitualmente estabelecida com a mesma advém de um construto social.
A sua concetualização tem sido sujeita, ao longo de anos, a um vasto processo de contínuas definições e redefinições, em virtude da preponderância de mitos influentes na maneira de interagir com os indivíduos com ele relacionados. Importa, por isso, lembrar que a ampliação da esperança média de vida, encadeada às particularidades da condição humana revela a possível metamorfose de cada indivíduo num potencial ser humano com deficiência. Somos, portanto, levados a constatar que a relação com aquele deriva, repetimos, de um compósito sociocultural tendo motivado um longo procedimento de (re)construções concetuais que, curiosamente, parece ter fortalecido a correlação entre deficiência, estigmatização e exclusão social, fazendo com que o grupo minoritário composto pelas pessoas com deficiência continue a surgir entre os mais desfavorecidos (Beresford, 1996; Turmusani, 2002).
A igualdade de acesso a oportunidades várias, bem como a real fruição turística, tem sido constantemente negada às pessoas em consideração resultando numa ampla marginalização e na falta de inclusão. Por conseguinte, criar oportunidades equitativas e justas para as mesmas é identificado como um grande desafio para o futuro (Calvo et al., 2018). No entanto, compete-nos evidenciar que os acessos escassos nos distintos setores, como o turismo, não decorrem daquela, mas da opressão exercida sobre a mesma, particularmente, quando confrontadas com barreiras atitudinais, físicas, sociais e psicológicas (Barnes, 1997). A perspetiva de a encararmos como integrada numa sociedade capacitista é recente, pois deriva do desenvolvimento do movimento das pessoas com deficiência, a partir da década de 1960/70, e da disseminação do modelo social da deficiência, em resultado da sua insatisfação face ao Estado-Providência (Oliver, 1991). Países como o Reino Unido e os Estados Unidos da América constituem exemplo, na medida em que neles foi encetada, pelos indivíduos em causa, uma luta coletiva pela igualdade e pela participação em condições de igualdade com os outros cidadãos (Driedger, 1989; Campbell e Oliver, 1996).
Julgamos improtelável encetar formas emancipatórias do seu entendimento e contestar a discriminação e a ostracização. Na efetivação desse desígnio, o Estado desempenha um papel relevante, não obstante a escassa representação daquelas sobre as mesmas nos media.
Desta feita, evidenciamos a disseminação de discursos narratológicos que primam por um enquadramento negativo da deficiência agrupado no tópico “Incapable of participating fully in community life” (Barnes, 1992). Colin Barnes crítica acerrimamente a imagética sobre estes indivíduos nos órgãos de comunicação social, porque tendem em divulgar imagens e mensagens distantes da realidade, nas quais as pessoas com deficiência são retratadas como pessoas sem valor, vítimas, suicidas, agressivas. (Barnes, 1992; Haller, 2010). Esses estereótipos foram usados frequentemente para descrever o contexto de uma sociedade deficientizadora, sendo o mesmo ecoado na parca iniciativa atitudinal e comportamental proposta para o esbatimento dessa narrativa. Consequentemente, os sentimentos de impotência aumentam e são refletidos em perguntas sobre o que pode ser feito. A tibieza das respostas obtidas leva-nos à seguinte reformulação: como transformar crença(s) e preocupação(ões) em ação? Uma visão comum entre investigadores sobre os Disabilty Studies e o turismo acessível é que a crença e a preocupação com os temas são, ou deveriam ser, motivadores de comportamentos positivos.
Este artigo dimana parcialmente da temática da nossa tese, adotando um enquadramento construtivista, alicerçado no modelo social da deficiência. Dada a sua natureza e fundamentos, o modelo referido propõe a deslocação da deficiência do indivíduo para o contexto social, logo distinto da ótica do modelo biomédico – de cariz reabilitador - que localizava o problema na sintomatologia dos défices e da procura da normalização. Era, portanto, fundamentalmente aplicada uma abordagem dedutiva que não privilegiava as experiências vividas do participante nem o contexto social. Além disso, as críticas às investigações realizadas neste domínio identificaram que este modelo tende a ser usado por investigadores destituídos de deficiência física, logo não são considerados tão permeáveis ao seu contexto histórico desumanizador, tampouco apreendem a experiência de viver numa sociedade que incapacita, rotula e restringe o corpo com deficiência.
Uma questão ainda por resolver: como transformar a crítica e a preocupação em ação?
Uma perspetiva habitual, presente no senso comum, bem como nalgumas salas de aula, aponta para a crença de que a mera sensibilização para a acessibilidade e o turismo acessível deveria impulsionar comportamentos destronadores de barreiras. A referida crença é combinada com a perceção de que, na realidade, aquelas resultam de um exagero mediático. Consequentemente, urge abordá-la como um dos desafios não resolvidos e não só propor soluções a questões análogas como acrescentar a seguinte questão: como atuar de modo que as pessoas destrincem consciência e preocupação para privilegiarem a ação? No livro intitulado Making Your Organisation’s Information Accessible For All é afirmada reiteradamente a necessidade de comunicação e informação acessível favorecendo a mudança da abstração para a realização de ações concretas. Essa alteração não ocorre de imediato dada a necessidade de desmascarar os mitos sobre o tema, mas devido à existência de informação deficitária e à escassez de publicações respeitantes à pertinência das emoções nos cuidadores. (Held, 2006) Ensaístas como Philippa Hunter-Jones sublinharam a necessidade de se estabelecerem vínculos com a emotividade sentida entre os turistas com deficiência e os destinos de viagem (Hunter-Jones, 2006; Sedgley et al., 2011), assim como a possibilidade de ser equacionada a acessibilidade e a emotividade junto dos cuidadores que recorrem ao turismo acessível (Lehto et al. (2017). Apesar das matizes destrinçadoras, as perspetivas afloradas comungam da necessidade de um conhecimento, compreensão, consciência, valores, atitudes e emoções considerados cruciais para desbloquear as referidas barreiras.
Lembramos que as emoções são primordiais não apenas para a experiência de quem é cuidado (Held, 2006; Milligan & Wiles, 2010), mas também para a experiência da viagem. Como foi registado noutras pesquisas no domínio do turismo acessível, os cuidadores e as pessoas com deficiência experimentaram um espectro de estados emocionais, bem como uma intensidade de emoções por recorrerem a um ambiente de turismo desconhecido, estimulante e desafiador (Durko e Petrick, 2013).
Conceitos basilares para uma abordagem alternativa recorrendo à dissonância cognitiva
A nossa proposta de uma abordagem alternativa inicia pela consciência de que, em regra, as ações ocorrem antes da sedimentação das crenças. Como a preocupação com a acessibilidade e com o turismo acessível não tem sido traduzida em ações significativas, compete-nos conjeturar sobre alternativas exequíveis. Começamos, portanto, com uma pesquisa à dissonância cognitiva, conceito criado por Leon Festinger na década de 1950, dado o seu entendimento de que a mudança de atitude e as respostas emocionais resultam de consequências comportamentais ao invés de causas comportamentais.
“A dissonância também mudou a forma como pensamos acerca de atitudes e comportamentos. Antes de 1957, a sabedoria geral entre os psicólogos era que se se deseja que as pessoas mudem o seu comportamento, primeiro, elas devem mudar as suas atitudes. (...) Ao contrário da sabedoria geral, os teóricos da dissonância afirmam impetuosamente que uma abordagem mais poderosa (...) seria induzir as pessoas a mudarem o seu comportamento em primeiro lugar – tendo isso acontecido, as suas atitudes seguirão.” (Aronson, 1997) [tradução nossa]
Uma quantidade significativa de experiências realizadas com o intuito de reproduzirem situações empíricas forneceu evidências de que o comportamento é um indutor de atitudes, contrariando um dos preceitos anteriores à dissonância cognitiva (Aronson 1997; Crano e Prislin 2006). De acordo com essas assunções, uma decisão inicial tomada sem convicção, embora lenta, pode iniciar um ciclo autopersuasivo e autojustificativo, fortalecedor de atitudes, crenças, sentimentos e conhecimento sobre o assunto, gerando uma mudança profunda a nível atitudinal e comportamental (Aronson 1999).
Uma visão superficial, parece apoiar a lógica de que alterações comportamentais implicam mudanças nas suas atitudes. No entanto, os discursos e as campanhas de comunicação focados na sensibilização não costumam refletir a autopersuasão, intensificando a ideia acima. Para isso, devemos criar oportunidades para o envolvimento de todos em ações consideradas significativas. Com efeito, a dissonância cognitiva, inserida na psicologia social, propõe um modelo com ênfase nos processos cognitivos possibilitando que os indivíduos reduzam as cognições dissonantes e, no caso em apreço, moderem os juízos sobre a impossibilidade e a ineficácia.
A importância da agência humana
O segundo conceito relevante designa-se agência humana e foi implementado pelo psicólogo social Albert Bandura (1993) aquando dos seus estudos relacionados com o desenvolvimento da teoria cognitiva social. A sua concetualização tem a finalidade de sabermos “como agir de modo a produzir um efeito pretendido”, pois constitui um elemento fundamental no âmbito do funcionamento da atuação humana. A agência humana é exercida de três formas: individual, delegada e coletiva como afirmou o próprio autor:
“As análises precedentes giravam em torno da natureza da agência pessoal direta e dos processos cognitivos, motivacionais, afetivos e de escolha, pelos quais ela é exercida para produzir determinados efeitos. Em muitas esferas do funcionamento, as pessoas não têm controle direto sobre as condições sociais e práticas institucionais que afetam as suas vidas quotidianas. Nessas circunstâncias, elas buscam o seu bem-estar, segurança e resultados desejados por intermédio da agência delegada. Nesse modo de agência social, as pessoas tentam, de uma forma ou de outra, fazer com que aqueles que tenham acesso a recursos ou conhecimento ou que tenham influência e poder, ajam em seu favor para garantir os resultados desejados. As pessoas não vivem as suas vidas de forma autónoma. Muitas das coisas que buscam somente podem ser alcançadas por intermédio de esforços socialmente interdependentes. Ampliei a conceção da agência humana à agência coletiva, baseada na crença compartilhada das pessoas nas suas capacidades conjuntas de produzir mudanças nas suas vidas através do esforço coletivo” (Bandura, 2005, 33) [tradução nossa].
O alargamento da agência humana afirmada na citação acima, permitiu que sobressaísse um elemento pertinente da agência humana: a aprendizagem social e a inerente possibilidade de “produzir mudanças”. Esta capacidade, aprendizagem social, remete para o desenvolvimento nossa própria agência ao longo do processo que excede vicariâncias, pois decorre das ações e das experiências de outros.
A profundidade desta problemática não é passível de ser explorada neste artigo, porém cabe-nos afirmar que a inter-relação formada pela aprendizagem social, agência e a autoeficácia tem sido produtiva, particularmente quando a ênfase incide na aplicação da autoeficácia (Stajkovic e Luthans 1998), bem como na estruturação de intervenções promotoras de atitudes e de comportamentos positivos.
No entanto, no decurso da nossa investigação, constatámos que uma das profícuas vertentes subjacente à referida tríade, a autopersuasão, não tem sido aplicada no contexto da acessibilidade nem do turismo acessível. Debruçar-nos-emos de seguida, embora muito sucintamente, sobre a sua caraterização.
Vimos que o modelo para o funcionamento humano assenta num encadeamento de atitudes, fatores pessoais, comportamentos e fatores ambientais interoperantes. O entendimento da reciprocidade, patente na tríade, provê os indivíduos de oportunidades para exercer algum controlo sobre as suas vidas, daí impor limites ao seu encaminhamento (Bandura, 1997), visto que possuem um sistema autorreferencial e autorregulador, sendo ao mesmo tempo agente e produto dessa relação, produzindo trocas e, por meio delas, adaptações e mudanças. Destarte, as crenças relacionadas com a autoeficácia impulsionadoras do desenvolvimento de competências são aquelas que excedem ligeiramente o nível atual de competência do ser humano (Bandura, 1997). Consequentemente, o indivíduo comprometer-se-á com o cumprimento das tarefas e a superar os desafios inerentes ao desenvolvimento de novas competências. No entanto, se as crenças relacionadas com a autoeficácia são sobrevalorizadas ou irrealistas, quando comparadas com o nível de competência possuída pelo indivíduo, podem revelar-se desestruturadas e culminarem em fracasso. No caso de as crenças relacionadas com a autoeficácia serem pessimistas, tende a surgir uma estratégia de evitamento de reptos condizentes com o nível de competência do indivíduo em causa, desencorajando o envolvimento em novas ações académicas, desportivas ou profissionais (Lent; Brown; Hachett, 1994).
A autopersuasão é conducente ao desenvolvimento da agência humana
Julgamos importante salientar que as escalas de autoeficácia não medem conhecimentos, habilidades nem atitudes, apenas o que as pessoas creem ser capazes de fazer em determinadas circunstâncias, independentemente das competências possuídas e das competências requeridas (Polydoro; Azzi; Vieira, 2010). As eventuais críticas ao conceito (Tavris e Aronson 2020) atenuar-se-ão consideravelmente, na nossa ótica, se exponenciarmos uma das suas fontes de desenvolvimento, a autopersuasão, como exemplificamos de seguida: se os indivíduos forem persuadidos a acreditar neles próprios, intensificarão o esforço, aumentando as hipóteses de sucesso na consecução dos objetivos. Todavia, para que a influência seja eficaz, os detentores da função persuasora devem ser próximos daqueles que dela necessitam. A realização de um ato inspirador gera um aprofundamento da agência e da eficácia em lidar com uma situação, por isso, tanto o ciclo de ações em que alguém se envolve como a parte de um processo autopersuasivo, necessário para a agência humana, devem ser concretos e específicos. Por conseguinte, consideramos que o recurso à autoeficácia, à autopersuasão e à agência humana não são suficientes para que todos reconheçam as vantagens do turismo acessível em abstrato - mas apenas por intermédio de ações nas quais ocorram compromissos.
Essa constatação parece-nos necessária para respondermos a observações ouvidas amiúde, como a seguinte: “Preocupo-me com a acessibilidade, mas não vejo como posso fazer algo sobre isso no meu trabalho ou contexto profissional”, uma vez que a inserção da mencionada agência humana dará repostas a perguntas como aquela, de maneiras novas e concretas de “saber como” agir sobre a acessibilidade e o turismo acessível. Em alternativa à tendência para lhes dizer o que fazer, urge apoiá-las para inserirem a temática no respetivo contexto pessoal e profissional, criando formas cívicas de agência. Uma potencialização desta perspetiva - crucial para a ampliação contextual da acessibilidade foi concebida por Wenger (1998) através das “comunidades praticantes”. Ele definiu-as como grupos constituídos por pessoas que compartilham uma preocupação ou paixão e, seguidamente, aprimoram as suas habilidades para abordá-la, recorrendo a um processo de interação e de interaprendizagem comunitário. Assim, propomos que as narrativas referentes à acessibilidade e ao turismo acessível foquem o quotidiano dos seus destinatários em detrimento de “iniciativas-modelo” plasmadas em campanhas esporádicas e que tenham um papel a cumprir na expansão das suas mais-valias.
A título meramente ilustrativo, defendemos alguns exemplos da aplicabilidade e da relevância da agência, nas diversas áreas e profissões, consonantemente com possíveis “ressonâncias”. Para os jornalistas consistiria em saber como refletir o tema nos seus artigos. Para os arquitetos, a agência humana incidiria em como trazer a acessibilidade para os projetos de construção. Implicaria, para os professores, reportar o valor acrescentado nos programas curriculares. Para os gestores de fundos consistiria em expor os riscos da inacessibilidade nas decisões em torno dos seus investimentos. Estes exemplos fornecem oportunidades e desafios para expandir os temas em apreço, além de ampliarem as noções atuais de escolha dos utentes dada a possível repercussão na prevalente valorização dos domínios referidos.
Entretenimento educacional e desvio positivo
As teses de Bandura sobre a aprendizagem social afloradas, entendidas como um veículo para o desenvolvimento da agência humana, tornaram-se basilares para o elo entretenimento-educação (Singhal e Rogers 2002). Esse elo é exequível através do recurso a uma ferramenta comunicacional impregnada de uma história ficcional (frequentemente transmitida via televisão ou rádio), de cariz estratégico para persuadir o público destinatário a envolver-se em torno de tópicos de interesse público, outrora encarados como nichos. Pela razão de poderem provocar mudanças através de ações e de experiências vivenciados pelos contadores das histórias, sem negligenciar o fator entretenimento e a ludicidade. Com efeito, as narrativas decorrentes do elo entretenimento-educação podem promover o desenvolvimento da agência humana por intermédio da aprendizagem social. Vejamos como ocorre: um personagem da história (personagem de “transição”) modela uma desejada mudança de atitudes e de comportamentos num cenário repleto de obstáculos, antagónico, tendo garantida a oposição dos outros personagens da história. Desse modo, adensa-se o interesse devido a uma contenda entre o “positivo” (acessível) e o “negativo” (inacessível) refletindo-se, respetivamente, nas atitudes e no comportamento. Os recetores dessas histórias - ouvintes ou espetadores - desenvolvem, mediante a identificação com o personagem de transição, o seu próprio sentido de agência e de eficácia no que respeita às mudanças nas experiências de transição das personagens. Um acréscimo profícuo foi apresentado pelos autores Singhal e Dura (2009) ao sugerirem outra abordagem comunicativa, inicialmente pensada para fomentar a salutogénese, envolvendo algum entretenimento na estrutura da história educacional. Essa abordagem foi denominada desvio positivo e baseia-se:
“[n]a premissa que em cada comunidade existem certos indivíduos ou grupos cujos comportamentos e estratégias incomuns permitem que eles encontrem as melhores soluções para os problemas dos seus pares, embora enfrentem desafios piores e tenham acesso aos mesmos recursos. No entanto, essas pessoas normalmente são invisíveis para outras pessoas na comunidade. A abordagem DP para a mudança social permite que as comunidades descubram os comportamentos positivamente desviantes entre eles e, em seguida, encontrem maneiras de agir sobre eles e ampliá-los”. (Singhal e Dura, 2017, 176)
A agência humana como elemento estrutural
A proficuidade das ideias respeitantes à autoeficácia, autopersuasão e agência humana leva-nos a propor a articulação destas com as práticas da educação de entretenimento, para que a agência humana conste num eixo narratológico estrutural, passível de ser considerado quando abordamos o turismo acessível. Em concomitância com a estrutura narrativa, as histórias devem iniciar-se a partir do posicionamento das pessoas; estar adaptadas a um determinado local ou a uma prática contextualizada; focalizar a ação e seguir uma estrutura onde haja uma definição de metas iterativas, a fim de realçar a ação dos indivíduos durante a resolução de problemas relacionados, por exemplo, com a acessibilidade e o turismo acessível. Essas histórias podem ser entrelaçadas para produzir narrativas com tramas cativantes e complexas. A modelação do comportamento dos membros da(s) comunidade(s) escolhida(s) garante que as ações sejam percebidas como exequíveis, realistas e significativas. Os membros intervenientes limitam-se a atuar, logo não têm como objetivo primordial levantar preocupações/ questões que sejam precursoras da ação. Desta feita, são modeladas oportunidades que instigam as pessoas a envolverem-se em ações concretas com a finalidade de resolverem desafios particulares em contextos específicos.
Esta abordagem visa fundamentalmente e, em primeiro lugar, gerar agência humana em indivíduos tendencialmente preocupados com a acessibilidade que pretendam enfatizar as mais-valias do turismo acessível, embora não saibam como fazê-lo. Proporcionar-lhes, em segundo lugar, oportunidades para dar os primeiros passos através de um processo autopersuasivo que lhes permita desenvolver a sua própria agência. A adoção dessa abordagem resolve os problemas abordados no início deste texto através da criação de histórias que enquadrem a acessibilidade e o turismo acessível numa variedade ampla de contextos sociais, a fim de diminuir a estereotipia e a parcialidade das mesmas. Além disso, a incidência no desenvolvimento da agência humana é suscetível de se adaptar a diferentes contextos baseados em locais e práticas, expandindo a gama de oportunidades que possibilita aos indivíduos o empenho na criação de narrativas cativantes em torno da acessibilidade e do turismo acessível.
A celeridade demonstrada na resposta coletiva à pandemia recente evidencia a nossa capacidade colaborativa ao serviço de objetivos comuns relacionados com a saúde, que se for devidamente aplicada a colaborações orientadas para a acessibilidade e a inclusão permitir-nos-á extrair benefícios. (Humanity & Inclusion,2020).
A existência de uma componente atuante quando são contadas histórias sobre a acessibilidade e o turismo acessível constitui uma ferramenta pertinente na obtenção de referências contínuas para nutrir o fluxo constante de ações baseadas em notícias com lastro disseminadas pela imprensa e pelos diversos média, concomitante com histórias caraterizadas pelo entretenimento-educação suscetíveis de perdurarem durante períodos de tempo prolongados. Sabemos que a coordenação desse fluxo de materiais de referência para todos os locais e práticas requer uma abordagem sistemática. O objetivo deste sistema consiste em fornecer “mensagens claras e simples (...) contadas por uma variedade de fontes confiáveis” (Maibach 2019) obtida por intermédio da densidade comunicacional e da mensagem.
CONCLUSÃO
Gostaríamos de destacar, em jeito de conclusão, que o nosso propósito não consiste somente em destacar um antagonismo entre os relatos decorrentes de factos e as narrativas mencionadas, nem de procurar os formatos mediáticos adequados ou as “plataformas da moda”, mas alertar para os problemas decorrentes da inexistência de uma concetualização instigadora de ações em torno da acessibilidade.
A proposta abordada neste artigo referente à agência humana como estrutura da narrativa difere da aplicação genérica de aplicar doses de criatividade às narrativas concernentes ao turismo acessível, uma vez que impele os indivíduos a agirem. Daí, serem posicionados como elementos primordiais no centro de cada história, que não dependem exclusivamente do nível de interatividade nem do formato mediático. Nesse sentido, destacamos em primeiro lugar, a existência de conceitos de autopersuasão e de ações conducentes a crenças enraizados em estudos realizados no âmbito da psicologia social, que remontam à década de 1950, pelo facto de desafiarem a convicção atualmente difundida de que a consciência e a preocupação são fundamentais para a instauração da acessibilidade e do turismo acessível. Evidenciamos, em segundo lugar, a proposta da teoria cognitiva social, na qual os indivíduos desenvolvem agência humana mediante a observação e a aprendizagem do modo de atuar dos indivíduos com quem convivem. Em terceiro lugar, os projetos aglutinadores de educação e entretenimento asseguram a evidência empírica de que as histórias reveladoras do bom desempenho de pessoas bem informadas repercutir-se-ão criando agência humana. Em concomitância com as incumbências exercidas por profissionais dedicados à criação de conteúdos, ao storytelling e a especialistas em acessibilidade e em turismo acessível e até a docentes, arquitetos, designers, etc., pois desempenham um papel importante na consolidação do paradigma salutogénico desde que o abordem segundo o princípio da ação para a comunicação.
Advertimos que essa situação pode não ser exequível quando as narrativas comunicadas incidem apenas nas problemáticas e não comunicam a variedade das atividades e das pesquisas que culminam nas conclusões apresentadas. Neste contexto, o interstício entre o “saber fazer" e o “fazer qualquer coisa” que modela e adapta as especificidades caraterísticas da acessibilidade e do turismo acessível, concebidas para vários destinatários, impele à ação reforçando-o como uma ferramenta poderosa para mitigar o problema da pobreza das histórias e eventualmente cativar financiadores. Por conseguinte, preencher esse interstício reduzirá a escassa cooperação entre as diversas áreas disciplinares, aumentando a interação das práticas exercidas por outros profissionais, bem como o desenvolvimento de habilidades e de agência humana em comunidades-praticantes.
Até à data, a preocupação em transmitir informação e em sensibilizar não tem tido o impacto necessário para mobilizar ações perpetradas pelos membros da sociedade em torno do tema abordado, porque a inexistência de agência humana, a consciencialização e a preocupação não são automaticamente conducentes à ação. Pelo contrário, tendem a causar ansiedade, apatia ou negação a longo prazo. Consequentemente, propusemos, neste artigo, uma alternativa à abordagem atualmente prevalecente para o relato de histórias sobre temáticas concernentes à deficiência e ao turismo acessível, uma vez que aquele está inculcada na maneira como as pessoas expandem o sentido de agência humana noutras esferas da vida.
autoria:
Hélia Saraiva
Professora de Turismo Acessível e Inclusivo - Disability Studies
Obs: Elementos adicionais e bibliografia disponíveis no artigo originalmente publicado na revista LOBBY Nº 01.